Considerada uma das mais influentes e respeitadas filósofas do Brasil, Marilena Chauí é enfática quando diz que não existe uma democracia no Brasil. “A sociedade democrática não existe no Brasil. A condição de uma política democrática e de um Estado democrático é uma sociedade democrática. E a sociedade brasileira é uma sociedade autoritária, violenta, hierárquica, […]
Considerada uma das mais influentes e respeitadas filósofas do Brasil, Marilena Chauí é enfática quando diz que não existe uma democracia no Brasil. “A sociedade democrática não existe no Brasil. A condição de uma política democrática e de um Estado democrático é uma sociedade democrática. E a sociedade brasileira é uma sociedade autoritária, violenta, hierárquica, discriminadora, portanto, a condição para uma verdadeira democracia não existe no Brasil ainda.”
A afirmação foi feita em um bate-papo com o jornalista Leandro Demori, para o programa DR com Demori, que vai ao ar nesta terça-feira (5), às 23h, na TV Brasil.
Para Marilena Chauí, o novo grande sujeito politico do Brasil deve ser os movimentos sociais, que, segundo ela, organizam populações inteiras em torno de objetivos comuns e em torno, sobretudo, de direitos.
“Os movimentos sociais são, por natureza, democráticos, na medida em que eles lutam por novos direitos, por reconhecimentos e garantia de direitos. Então, eu acho que eles são os novos protagonistas políticos sem a menor dúvida”, afirma.
Mas ela acredita que a falta de uma pauta unificada, universal, é o grande problema enfrentado hoje para que a sociedade alcance uma política revolucionária. “Você só faz política revolucionária, política de mudança, quando você tem certos universais como referência. Aquilo que é comum a um grupo imenso de pessoas. […] Eu não estou vendo surgir esse referencial e mais, o que eu estou vendo, esses movimentos sociais se transformando cada vez mais em movimentos identitários, se fragmentando”, avaliou.
“Você tem o movimento de cada uma das formas de sexualidade, depois você tem o movimento de cada tipo de maternidade, cada tipo de paternidade, ou seja, em vez de os movimentos serem unificadores e a produção do universal, ao se tornarem movimentos de defesa de identidades […] eles vão se tornando fragmentados e eles não produzem essa referência comum que é necessária pra fazer uma mudança política e uma mudança social”, acrescentou.
Para Marilena Chauí, o que caracteriza a vida política numa democracia é a criação, a garantia e a conservação de direitos, assim como a capacidade de promovê-los. De tal modo que o poder é social. “E é esse poder social que se exprime nas tomadas de decisão políticas. Então, a política que se realiza depende da qualidade da sociedade em que a gente vive. A política vai exprimir se nós estamos numa sociedade conservadora, numa sociedade democrática, numa sociedade autoritária, numa sociedade violenta. A política exprime isso. Ela não corrige isso, ela é a expressão disso”, afirma.
Marilena Chauí também analisa as mudanças que o mundo digital está trazendo para a sociedade. Segundo ela, o que estamos vivendo não é apenas uma mudança tecnológica, mas uma mutação civilizacional. “Está surgindo uma nova subjetividade produzida por esse mundo digital. Primeiro, é uma subjetividade narcisista, ou seja, existir é ser visto. Se você não é visto, você não existe. Ser visto é a primeira marca do narcisismo. Só que, como você depende, para ser visto, do olhar do outro e você não tem o controle sobre o olhar do outro (…) Como Freud dizia, o narcisismo é inseparável da depressão, então, você tem uma subjetividade nova que é narcisista, depressiva e que depende desesperadamente do olhar alheio”, alerta. Ela atribui a esse vício na validação do outro trazido pela tecnologia a causa do aumento de casos de suicídio entre jovens em todo o mundo.
Outra questão trazida pela tecnologia, segundo ela, foi a mudança no modo de vida da sociedade. “Uma mudança na economia. O que é o surgimento do empresário de si mesmo, isto é, do ‘precariado’, é a desaparição da figura da classe trabalhadora. A classe trabalhadora que, concretamente, através do trabalho, se relacionava com o mundo, era a forma da relação social e política que vinha na constituição de classe. Agora, o que você tem é essa dispersão e essa ilusão de que eu sou dono de mim mesmo”, finaliza.